SÓ EU SEI O QUE EU PASSEI

Ele tinha tudo – família, amigos, bens –, era admirado em sua comunidade pela conduta reta e digna. Tudo ia bem até que sua vida começou a ruir. Todos os seus filhos faleceram no mesmo dia e todos os seus pertences lhe foram tirados. Seu corpo encheu-se de feridas e seu cheiro tornou-se insuportável. Aqueles que costumavam olhá-lo com respeito, zombavam de sua situação deplorável.

Esse pode parecer um relato criado pela imaginação fértil de algum autor interessado por tragédias. Mas não é. Tudo isso aconteceu na história real de um homem justo, íntegro e fiel aos princípios divinos: Jó. A Bíblia relata que essas qualidades não eram vistas apenas pelos humanos, mas, também por Deus (Jó 1:8).

Certamente ele não era um homem perfeito porque não existem seres humanos perfeitos, porém o relato bíblico nos mostra um homem acima da média e que enfrentou o sofrimento sem perder a fé. Ele questionou sua sorte, como qualquer um de nós faria, mas não deixou que sua dor atingisse suas convicções.

Tenho quatro filhos a quem amo profundamente e não consigo imaginar a minha vida sem eles. Por mais que tente, somente o pai ou a mãe que perdeu um filho é capaz de dimensionar essa dor. Acredito que, por ter a compreensão da intensidade do amor paterno, impressionou-me com as palavras de Jó no auge de seu sofrimento. “Ao ouvir isso, Jó levantou-se, rasgou o manto e rapou a cabeça. Então prostrou-se com o rosto em terra, em adoração, e disse: ‘Saí nu do ventre de minha mãe, e nu partirei. O Senhor o deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor’” (Jó 1: 20-22).

Já não bastasse toda a aflição pela perda dos filhos e a pobreza repentina, Jó ainda teria que enfrentar uma doença que traria feridas por todo seu corpo, da sola dos pés ao alto da cabeça. Jó raspava-se com um caco de louça, ficou desfigurado e irreconhecível aos seus amigos, seu hálito era insuportável à sua esposa, seus irmãos tinham nojo dele. E ele sofreu e chorou (Jó 3:26; 16:16).

Como todo ser humano acometido por tragédias, Jó sentiu-se sozinho, desamparado, sem esperanças (Jó 6:11). A agonia tomava conta da mente e do corpo e nada do que ouvisse trazia-lhe qualquer alívio. O que fazer diante de sua triste realidade? Como agir se aquele sofrimento parecia não ter fim? A quem poderia recorrer? Jó não sabia quanto tempo aquele martírio duraria, nem mesmo se sobreviveria. A única certeza que permanecia firme era a de que Deus tinha o controle de todas as coisas. Jó é um exemplo de resistência e de fé. Resistiu ao mal físico, às perturbações mentais e às palavras desencorajadoras. Resistiu e confiou (Jó 19:25).

O sofrimento é um sentimento extremamente particular porque a dor é sentida apenas por aquele que sofre. Usando como exemplo minha própria vida, tenho certeza que as pessoas se compadeceram de mim quando, por um acidente, precisei ficar seis meses em uma cama hospitalar sem mexer as pernas, com o risco de jamais voltar a andar. Sei que muitos oraram por mim quando, após um erro médico em uma cirurgia, estive entre a vida e a morte. No entanto, ninguém sentiu exatamente o que eu senti, chorou as minhas lágrimas. Só eu sei o que passei.

Assim como somente um morador de rua sabe a agonia de não ter um teto sobre a sua cabeça nas noites de frio e chuva. Somente um dependente químico conhece o tormento de não ter controle sobre si mesmo. Apenas uma mãe ou um pai que vê o filho trilhando o caminho da morte por meio das drogas ou do crime é capaz de descrever a intensidade desse pesar. Não é possível compartilhar a dor alheia. Pode-se, entretanto, demonstrar compaixão pelo próximo, ouvi-lo sem julgamento, auxiliá-lo dentro das possibilidades.

Jó sentia-se abandonado e solitário em meio à sua desventura. Os amigos que gastaram algum tempo com ele criticaram sua postura; sua esposa o instigou a amaldiçoar a Deus e morrer; seus irmãos sequer se aproximaram dele. Essas atitudes deixaram seus dias mais longos e insuportáveis. Demonstrações simples de atenção e afeto tornam o fardo um pouco mais leve e, muitas vezes, é tudo que se pode fazer. Em outras situações, colocar-se à disposição para ajudar, apresentar alternativas e incentivar podem ser o estopim para uma alteração do quadro. Seja qual for o caso, sensibilidade e amor são as palavras-chave.